domingo, 7 de fevereiro de 2010

Mundos


Parti sem ter certezas nem vontades concretas, com o destino marcado mas o percurso incerto na certeza que iria onde os pés e as empresas de transportes rodoviários me levassem. Parti sem querer ficar no mesmo lugar, com um frenesim interior de ver e conhecer e mudar. Entre o desespero das primeiras horas de auto-reflexão e as dificuldades que o meu caminho encontrou enchi-me de amigos e de passeios pela cidade, enchi-me de outras culturas sem sair do meu primeiro poiso. Encantei-me com a cidade cheia de luz e cor e com as pessoas, os amigos de toda a parte que chegavam e partiam e me enchiam de experiências e de vidas que me fascinaram. Viajei e convivi comigo mesma durante horas a fio entre estradas e montanhas e campos e vistas absolutamente indescritíveis. Conheci pessoas e sítios que trago comigo, desertos incansáveis e azuis translucidos que não esqueço. Tenho colados à pele os cheiros dos lugares e os brilhos das luzes e dos céus inesquecíveis. Vivi culturas com as quais nunca sonhei, extremos de calma e de agitação impensáveis. Deslizei pela América do Sul fora num tempo que fugia e não me deixava guardar tudo o que via, numa urgência de andar em frente e de seguir viagem a procura de mais. Preenchi-me de mim mesma e de mundos que me foram completando e acabei a viagem inteira. Pelo caminho curei as dores que levava por dentro e no lugar delas deixei as imagens e os mundos que me inundam agora. Arrumei as tristezas e ultrapassei-as tanto quanto pude nos lugares em que menos pensei encontrar conforto. Agora sem a mochila camuflada às costas nem as botas de montanha nos pés sinto o vazio das alegrias de viagem e das noites precárias, dos pés sujos e do cansaço que acompanhava a felicidade de correr o mundo pelos meus próprios meios. Ficam as marcas do caminho, as cicatrizes que nunca se apagam e que ficam por dentro depois de uma viagem assim. Os pedaços que ela nos preenche e nos completa e nos emenda, como se nos tornasse mais inteiros.




'E deixar-me devorar pelos sentidos,
e rasgar-me do mais fundo que ha em mim.
Emaranhar-me no mundo, e morrer por ser preciso,
nunca por chegar ao fim.'

Mafalda Veiga - Por Outras Palavras

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